O que é “violência baseada no gênero”?

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        A Lei Maria da Penha estabelece os estreitos âmbitos de sua aplicação: violência contra a mulher baseada no gênero, perpetuada no contexto doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto. Não é qualquer violência contra a mulher, portanto, que enseja a aplicação da Lei Maria da Penha

Concluir que a violência é, nos termos do art. 5º da Lei Maria da Penha, baseada no gênero significa fazer incidir os dispositivos da referida lei, com suas relevantes consequências penais e processuais penais, dentre outras. Portanto, assunto de suma importância, e que merece uma especial atenção da comunidade jurídica.



  • Definição de violência baseada no gênero
Como bem esclarece Victoria Barreda [1], “o gênero pode ser definido como uma construção social e histórica de caráter relacional, configurada a partir das significações e da simbolização cultural de diferenças anatômicas entre homens e mulheres. […] Implica o estabelecimento de relações, papeis e identidades ativamente construídas por sujeitos ao longo de suas vidas, em nossas sociedades, historicamente produzindo e reproduzindo relações de desigualdade social e de dominação/subordinação.”
A violência de gênero, por sua vez, envolve exatamente essa determinação social dos papéis masculino e feminino. Toda sociedade pode (e talvez até deva) atribuir diferentes papéis ao homem e à mulher. Até aí tudo bem. Isso, todavia, adquire caráter discriminatório quando a tais papéis são atribuídos pesos com importâncias diferenciadas. No caso da nossa sociedade, os papéis masculinos são supervalorizados em detrimento dos femininos. E mais, como alertam Maria Amélia Teles e Mônica de Melo, “os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos.”[2]
Uma importante definição de violência de gênero pode ser retirada da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará: ofensa à dignidade humana e manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens.
Os papéis sociais atribuídos a homens e a mulheres são acompanhados de códigos de conduta introjetados pela educação diferenciada que atribui o controle das circunstâncias ao homem, o qual as administra com a participação submetida por cultura, mas ativa das mulheres, o que tem significado ditar-lhes, e elas aceitarem e cumprirem, rituais de entrega, contenção de vontades, recato sexual, vida voltada a questões meramente domésticas, priorização da maternidade, etc. Acaba tão desproporcional o equilíbrio de poder entre os sexos, que sobra não interdependência, mas hierarquia autoritária. Tal quadro cria condições para que o homem sinta-se (e reste) legitimado a fazer uso da violência, e permite compreender o que leva a mulher vítima da agressão a ficar muitas vezes inerte, e, mesmo quando toma algum tipo de atitude, acabe por se reconciliar com o companheiro agressor, após reiterados episódios de violência. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo conclui que é comum as mulheres sofrerem agressões físicas, por parte do companheiro, por mais de dez anos[3]. Diversos estudos demonstram que tal submissão decorre de condições concretas (físicas, psicológicas, sociais e econômicas) a que a mulher encontra-se submetida/enredada, exatamente por conta do papel que lhe é atribuído socialmente.
Dos conceitos e definições acima trazidos, destacam-se algumas importantes características da violência de gênero: 1) Ela decorre de uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher; 2) Esta relação de poder advém dos papéis impostos às mulheres e aos homens, reforçados pela ideologia patriarcal, os quais induzem relações violentas entre os sexos, já que calcados em uma hierarquia de poder; 3) A violência perpassa a relação pessoal entre homem e mulher, podendo ser encontrada também nas instituições, nas estruturas, nas práticas cotidianas, nos rituais, ou seja, em tudo que constitui as relações sociais; 4) A relação afetivo-conjugal, a proximidade entre vítima e agressor (relação doméstica, familiar ou íntima de afeto) e a habitualidade das situações de violência tornam as mulheres ainda mais vulneráveis dentro do sistema de desigualdades de gênero, quando comparado a outros sistemas de desigualdade (classe, geração, etnia).
  • Gênero, identidade de gênero e orientação sexual
O Projeto de Lei que deu origem à Lei Maria da Penha (PL 4559/2004), em seu artigo 5º, § ún., definia expressamente as relações de gênero como sendo “as relações desiguais e assimétricas de valor e poder atribuídas às pessoas segundo o sexo.”

Na versão final, no entanto, o texto acima foi substituído pelo seguinte: “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.” (art. 5º, § un. – grifou-se)
Veja-se que, agora, aparece, mais uma categoria que precisa ser compreendida (orientação sexual). O termo gênero é frequentemente confundido com identidade de gênero, o qual, por sua vez, confunde-se com orientação sexual. Vejamos essas e outras categorias que possuem proximidade de sentido:
Sexo: definido pela presença de genitália masculina ou feminina;
Orientação sexual: definido pelo sexo que atrai sexualmente a pessoa: a) sente atração por sexo diverso do seu: heterossexual; b) sente atração por sexo idêntico ao seu: homossexual; c) sente atração por todos os sexos: pansexual;
Gênero: atribuições de papeis aos homens e às mulheres, com prevalência de poder ao sexo masculino;
Identidade de gênero: entendimento que a pessoa tem no que tange ao gênero do qual faz parte, independentemente do seu sexo biológico. Sente-se homem ou sente-se mulher? Gostaria de ser reconhecida socialmente com um homem ou como uma mulher?
Ideologia de gênero: “’ensinam o comportamento adequado, esperado e recompensado pelos outros, moldam nossas personalidades para conformá-las às normas sociais e reprimem ou punem comportamentos a elas não conformes’ e nos são transmitidas desde o nosso nascimento.”[4]
No ano de 2006 foram elaborados os Princípios de Yogyakarta, dirigidos a orientar a aplicação internacional de direitos humanos no que se refere à orientação sexual e à identidade de gênero. Na introdução dos Princípios[5], ficou consignado que “Muitos Estados e sociedades impõem normas de gênero e orientação sexual às pessoas por meio de costumes, legislação e violência e exercem controle sobre o modo como elas vivenciam seus relacionamentos pessoais e como se identificam. O policiamento da sexualidade continua a ser poderosa força subjacente à persistente violência de gênero, bem como à desigualdade entre os gêneros.”
Fonte: 
https://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/312151601/o-que-e-violencia-baseada-no-genero

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais do Projeto Antonia – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais.   

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