“Lavar as mãos com água e sabão”, “usar alcool gel”, “manter distanciamento no contato pessoal”, “ficar em casa”. Estas são medidas de saúde recomendadas para o enfrentamento ao coronavírus e consideradas simples. Mas, esta simplicidade é bem mais difícil quando se é mulher, pobre, moradora de periferias e trabalhadora informal na prostituição.
Em tempos de pandemia pela infecção humana por coronavírus, o COVID-19, as ações para seu enfrentamento, apesar de necessárias para a Saúde Pública, não são acessíveis para uma grande parcela da população brasileira, nela incluída as mulheres de baixa renda no contexto da prostituição.
Com as restrições de funcionamento do comércio, a capacidade de conseguir renda na prostituição diminui ou mesmo se extingue. Adquirir alcool gel, sem estar aferindo renda, é um gasto alto, que pode significar a escolha entre comprar alimentos ou se proteger.
Uma parcela de trabalhadoras/es informais estão adaptando seus serviços para modalidades em domícilio/delivery ou contando com a solidariedade de seus contratantes em seguir realizando os pagamentos pelos serviços que futuramente serão prestados. Estas não são adaptações possíveis para este perfil da prostituição.
Estas adaptações, se possíveis, ainda representariam uma maior exposição às situações de contágio, já que o contato intímo com a saliva facilita a infecção por coronavírus. Isso significa que manter a rotina na prostituição, ainda que com adaptações, coloca estas mulheres em uma situação de risco.
E, se as crianças estão sem aula, os idosos não podem sair… Quem é que assume o cuidado destas pessoas? A mulherada! Ainda que fosse possível, como é que se realiza “trabalho remoto”, tendo que cuidar de tudo isso? Ainda mais quando não é tão simples realizar o isolamento social ou a quarentena, quando se vive em periferias urbanas.
Periferias, comunidades e favelas concentram uma grande quantidade de moradores num mesmo espaço. Além da proximidade forçada, o déficit no saneamento básico, de modo geral, já tem implicações imediatas sobre a saúde e a qualidade de vida da população.
No enfrentamento ao COVID-19, a falta de acesso ao saneamento básico condena as periferias a não terem condições concretas de acesso à outra grande aliada: a água. Além de uma questão de desigualdades entre classes sociais, está é também uma desigualdade de gênero e étnicorracial, como revela o estudo “Saneamento e a vida de mulher brasileira”, realizado em 2016 pelo Instituto Trata Brasil e a BRK Ambiental.
O estudo identificou que 27,7 milhões de mulheres enfrentam um déficit no acesso à água. Isso significa que 1 em cada 4 mulheres ou não tinha acesso à água tratada ou não recebia água com regularidade. A incidência de entregas irregulares é maior entre as mulheres autodeclaradas pardas (17,5%) e pretas (15,7%).
O estudo também revelou que as mulheres que não recebiam água de forma regular estavam concentradas na faixa etária de 20 a 59 anos de idade (56,6% das mulheres com acesso à rede geral). Também nesta faixa etária concentram-se as atendidas pela Rede Oblata Brasil.
“Ficar em casa” é uma medida de segurança à saúde de si e da populção que pode até proteger contra o COVID-19, mas que ignora que é no ambiente doméstico que crianças, pessoas LGBTs e mulheres são vítimas de violência. Casa, nem sempre significa segurança, como bem sabe 70% das mulheres que a cada 4 minutos são agredidas por seus companheiros. Vale lembrar que a violência física é apenas uma das formas de manifestação da violência doméstica e que a política de Saúde é um dos setores estratégicos para enfrentar esta violência e que agora está concentrado no enfrentamento ao coronavírus.
As medidas de saúde tomadas pelas autoridades para enfrentamento ao COVID-19 não estão levando em consideração esta realidade – está é também a realidade das mulheres no contexto da prostituição com quem a Rede Oblata atua.
É por isso que, mais uma vez, é a própria população periférica quem têm cuidado de si: campanhas para a arrecadação de recursos, brigadas de saúde, distribuição de itens de produtos de higiene, distribuição de cestas básicas, fomento ao consumo de serviços da própria periferia e a denúncia sistemática de que o que têm sido considerado “simples”, ainda é algo muito – MUITO – difícil para a maior parte da população brasileira.
Brenda Barbosa da Silva
Assistente Social do Projeto Antonia
Foto: banco de imagens | Depositphotos
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